Andar à guna pelas ruas do Porto

Algumas décadas atrás, era muito comum ver crianças penduradas no exterior de elétricos, tróleis e autocarros, perante a indiferença geral de passageiros e transeuntes. "Andar à guna" – era como os portuenses designavam este quase desporto radical, no qual as crianças arriscavam-se a dar quedas violentas com consequências imprevisíveis. Mas, para os jovens, isto tinha tanto de arriscado como de excitante! O(A) caro(a) leitor(a) também chegou a andar à guna? 

Manuel de Sousa

Elétrico para Águas Santas, manifestamente sobrelotado, 1912 [Porto Desaparecido]

O fenómeno é antigo. Num tempo em que os transportes públicos eram notoriamente insuficientes para a procura que tinham, viajar pendurado do lado de fora do veículo, em equilíbrio precário, não era assim tão raro.

Autocarros de dois pisos Leyland Atlantean, na rua de Sá da Bandeira, c.1978 [tramsinportugal.blogspot.pt | Porto Desaparecido]

É claro que, a maioria das vezes, as crianças viajavam de lado de fora, não pagando bilhete, mais por diversão do que por necessidade. Embora, poupar umas coroas fosse de aproveitar, sempre que a oportunidade o permitisse...

Elétrico a subir a rua das Carmelitas, 1977 [Tim Boric | Porto Desaparecido]

Se o fenómeno se passasse hoje, às tantas, até era considerado um desporto radical e chamar-se-ia, provavelmente, tram surfing ou bus surfing (à semelhança do train surfing). Mas, décadas atrás, num tempo de expressões mais espontâneas, os portuenses encontraram um termo para definir essa forma de viajar pendurado do lado de fora do autocarro ou do elétrico: andar à guna.

Autocarros de dois andares no Infante, c.1980 [Christopher Leach | Porto Desaparecido]

Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa (da Porto Editora), na entrada guna, diz: "(Calão) Jovem que, devido ao seu aspeto exterior, intimida outras pessoas, e que, por vezes, faz parte de bandos que cometem assaltos ou outros crimes".

Elétrico "fumista" em hora de ponta, c.1965 [diasquevoam.blogspot.pt | Porto Desaparecido]

Por seu lado, o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, sobre guna, explica: "(Portugal: Porto, informal, depreciativo) Jovem urbano, geralmente associado às camadas sociais mais desfavorecidas, de comportamento ruidoso, desrespeitoso, ameaçador ou violento e que tem gostos considerados vulgares".

Autocarro Leyland de dois andares na praça de Gonçalves Zarco, mais conhecida como rotunda do Castelo do Queijo, c.1985 [Porto Desaparecido]

E vai mais longe, o dicionário da Priberam, explicando o que é andar à guna: "(Portugal: Porto, informal) Andar pendurado do lado de fora da porta de um transporte público, sobretudo nos elétricos, sem pagar bilhete".

Autocarro Leyland Atlantean, de dois andares, junto ao teatro Sá da Bandeira, 1982 [John Ward | Porto Desaparecido]

Tanto o dicionário da Porto Editora quanto o da Priberam, indicam que a palavra guna deriva do inglês norte-americano goon que significa rufia, valentão, criminoso violento.

Notícia de O Comércio do Porto, 3 de abril de 1988, p. 9 [Porto Desaparecido]

Hoje, num tempo em que a segurança das crianças é uma preocupação fundamental (e ainda bem que assim é), é raríssimo vermos alguém a andar à guna, mas isso já foi uma prática correntíssima. Disso são testemunho as imagens que ilustram este pequeno artigo, captadas há várias décadas.

Estas imagens despertam-lhe recordações, caro(a) leitor(a)?

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